Se não fosse o próprio Ronnie falar que uma das incentivadoras desse resgate é uma jornalista de Santos, o jornal passaria batido. Dá-lhe, Tribuna! Nem citaram o tributo ou o link na abertura da matéria mas só pra constar no clipping. O texto está colado nos comments.
“O maior aprendizado é que fiquei com uma visão feminina da vida"
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Quarta-Feira, 23 de Maio de 2007, 06:54
“O maior aprendizado é que fiquei com uma visão feminina da vida”
Da Redação
Entrevista
Ronnie Von, Cantor e apresentador. Um dos ídolos da música dos anos 60.
ELCIRA NUÑEZ Y NUÑEZ
A dois meses de completar 63 anos (dia 17 de julho), o apresentador e empresário Ronnie Von, apelidado de O Príncipe na época da Jovem Guarda, sente-se com 20. Sua juventude está sendo recuperada graças ao interesse dos jovens por um álbum psicodélico lançado em 1969, que inclui Sílvia 20 Horas Domingo e é considerado antológico, apesar de bastante criticado na época. Há comunidades no Orkut dedicadas a ele e três de seus antigos discos foram relançados pela Universal.
‘‘Sinto-me nas nuvens’’, conta o apresentador, que, apesar do revival, diz não ter mais tempo para se dedicar à música. Longe do mercado fonográfico desde 1996, Ronnie divide-se entre o programa Todo Seu, na Gazeta, que completa três anos neste mês, e sua agência de publicidade.
Todo Seu está completando três anos no ar. Vem novidade por aí?
O programa está agradando, e, como minha mãe falava, é renovar ou morrer. Eu prefiro renovar. Daí a troca cenográfica mensal, com a colaboração dos maiores arquitetos do Brasil. É uma espécie de Casa Cor ao vivo. Mas haverá outras mudanças.
Qual deve ser a missão da televisão?
Tevê é veículo de prestação de serviço. Existe apenas uma parcela pequena da população que tem acesso à informação e à cultura. Com isso, a televisão se transforma na maior escola do brasileiro. E como o homem moderno não tem que ser culto, mas informado, a tevê tem que levar informação. A cultura é subsequente.
Em 1996, você abandonou a música, mas três de seus antigos discos estão sendo relançados pela Universal. Pretende voltar a cantar?
Meu tempo é exíguo para voltar a me envolver com a fonografia. Gravar um disco é uma coisa fascinante. Acredito que é o melhor dessa história toda, é a hora que se pode criar. Mas a veiculação é mais complexa, fora o jabá. Hoje a mídia é paga, acho uma vergonha, por isso me afastei. Além disso, é preciso fazer shows....
De quem partiu a idéia dos relançamentos?
A idéia do relançamento foi de dois jovens do Rio de Janeiro que há sete anos pretendiam lançar uma caixa com seis CDs e depois mais seis álbuns. Por e-mail eles me informaram que não conseguiram o licenciamento com a Universal. Depois fiquei sabendo, pela mídia, que a própria Universal lançou os CDs.
A gravadora não o consultou?
Absolutamente. A loucura começou no Orkut. Uma jornalista santista, Flávia Durante, criou uma comunidade em função do disco de 69, que as bandas de garagem começavam a descobrir e de repente virou cult até fora do País. Na verdade, o disco, que eu chamo de surrealista, era muito forte para a época em que foi feito. Eu estava um pouco na frente, uns 37 anos, e descobriram agora.
As novas gerações estão redescobrindo o Ronnie?
Um amigo conseguiu um vinil meu em Tóquio que custou US$ 1.800. Tem gente comprando em tudo que é lugar, sebo já não tem mais, ou não vende. Tem até disco pirateado, com selo da Argentina, que sai por US$ 85, com belas fotos de todas as fases de minha carreira e biografia, em inglês e espanhol. Com tudo isso, você acha que a Universal não ia se interessar?
Como se sente com essa redescoberta?
Estou me sentindo com a juventude devolvida e devo isso aos jovens. O pior é que fico pensando que tenho mesmo 20 e acabo fazendo coisas impossíveis fisicamente... Outro dia levei um tombo, fiquei todo quebrado. A cabeça continua com os 20, mas o corpinho de 62 não responde direito. Estou nas nuvens.
Seu início de carreira foi difícil?
Quem me descobriu foi o João Araújo, pai do Cazuza. Na época meu pai trabalhava em Londres, era ministro, e trazia todos os discos dos Beatles, que eu amava, antes de serem lançados aqui — o que demorava no mínimo seis meses. Fiquei amigo dos meninos da banda Brazilian Beatles e, quando fui assistir a um show, eles me jogaram no palco. Cantei uma música do filme Help!, You‘ve Got to Hide Your Love Away, fui aplaudido, e quando desci o João e me disse: vamos gravar um disco? Era assim antigamente. Hoje, para você gravar, tem que ser multimilionário para pagar a execução, fazer distribuição.
Você enfrentou preconceitos?
Sofri os preconceitos ao contrário, porque não tinha origem humilde, nem como esconder. Foi terrível. Cheguei a ouvir dizerem no rádio: ‘‘Esse filhinho de papai está tocando no lugar de quem precisa’’. Mas ninguém precisava mais do que eu. O conflito familiar que vivi foi dramático. Eu trabalhava nos negócios da família, que deveria assumir. Era estudioso e interessado, mas não gostava de números.
E como sua família reagiu?
Minha tia-avó reuniu a família e disse: ‘Esse menino vai jogar o nome da família na lama? Onde foi que nós erramos, criamos uma cobra para nos picar e se meter nesse mundo promíscuo’’. Eu não tinha espaço na família nem com meus amigos, que me viraram as costas porque não estava fazendo música engajada. Aí vim tentar a sorte em São Paulo. Quando a coisa estourou, mandei o extrato da minha conta bancária para a tia. Foi uma coisa deselegante, mas era a única forma de me vingar.
Os Beatles foram sua maior influência musical?
Eu tenho uma escola musical, e ela se chama Beatles. Me identificava com a parte mais intelectual, filosófica e rebelde do grupo, representada pelo John, embora o músico mais completo tenha sido o Paul. Em casa ouvia jazz, música erudita, bossa nova, mas fundamentalmente Beatles.
Você flertou com o rock progressivo e com o Tropicalismo...
Eu nunca participei da Jovem Guarda, não tinha identidade com ela. Quem participava da Jovem Guarda não podia aparecer no meu programa. Era chamado de usurpador do trono do Rei (Roberto Carlos), de filhinho de papai, mas morava na Praça Júlio de Mesquita. Lancei Os Mutantes no meu programa e dei o nome ao grupo (estava lendo Império dos Mutantes, gostei do nome). Eles iam ao meu programa todos os sábados e os apresentei a Caetano e Gil.
O que o seduzia no Tropicalismo?
No mundo inteiro usava-se instrumentos eletrônicos, mas os puristas da MPB não permitiam isso. Guitarra elétrica era um sacrilégio, e nós eramos execrados por usá-la. Essa união das duas vertentes me fascinava, era o que eu queria fazer. Caetano gravou comigo, fiz um disco com Rogério Duprat, os Mutantes e minha banda Beat Boys, que depois ficou com eles durante muito tempo. Mas os empresários se desentenderam e eu fui convencido a não me envolver com a Tropicália, porque seria uma coisa passageira.
Gostaria de ter feito parte?
Sem dúvida. Mas a gravadora tinha outro projeto para mim, que jamais foi o que eu queria. Acredito que esse talvez tenha sido o único movimento musical de verdade aqui no Brasil.
Quais são suas paixões?
A enologia é um hobby, a botânica também. Sou um rato de biblioteca, não tenho muito tempo para os livros e isso me incomoda muito. Também gosto de velocidade, sou aviador, fui piloto de competição de automóvel e tento de certa forma acompanhar esse esporte. Mas meu hobby maior é a família. Sou casado há 22 anos com Cristina e tenho três filhos.
Em 1992 você publicou o livro Mãe de Gravata, sobre sua experiência na educação de dois filhos, que ficaram sob sua guarda após a separação. Você pretende escrever outro livro?
O livro foi um sucesso editorial, teve 11 edições e estão querendo reeditá-lo. Atualmente não tenho tempo para escrever outro livro.
Qual foi o maior aprendizado dessa experiência?
O maior aprendizado é que acabei ficando com uma visão feminina da vida. Sou uma pessoa mais rica emocionalmente, porque essa dualidade é bastante latente. De certa forma, minha visão masculina foi desviada para a casa, a roupa lavada, cama, mesa e banho. Acho que as mulheres são mais determinadas que os homens.
A partir dessa vivência, que conselhos você dá?
Se o homem não participar, não se envolver e não dividir com a companheira, ele não sobrevive mais. A mulher hoje é provedora em 48% dos lares brasileiros. Eu passo, lavo, cozinho, arrumo, tudo muito bem. Criei filhos impecavelmente, sou uma mãe impecável, sem falsa modéstia. Mas o maior conselho é o diálogo, vínculo de todos as relações, seja casamento, amizade, paternidade. É preciso conversar muito, conversar sempre e, acima de tudo, ter todo o amor possível. O homem passa pela vida; o que fica é o exemplo.
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